Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvores, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
Escolhi este poema, em homenagem à agora desaparecida poetisa e ecritora Rosa Lobato Faria que faleceu em Lisboa, devido a uma anemia grave no dia 2 de Fevereiro. Um ser dotado de talento que se apagou, mas a sua memória viverá nos seus livros e nas suas obras.
Rosa Lobato de Faria nasceu em Lisboa, em Abril de 1932. Romancista, poeta e actriz, afirmou-se como uma das vozes mais influentes da literatura portuguesa, tendo sido reconhecida, em 2000, com o Prémio Máxima de Literatura. O seu último livro, As Esquinas do Tempo, foi publicado em 2008 pela Porto Editora.
O essencial da sua poesia está reunido no volume Poemas Escolhidos e Dispersos, de 1997. O seu primeiro romance, O Pranto de Lúcifer, veio a público em 1995. Seguiram-se-lhe Os Pássaros de Seda (1996), Os Três Casamentos de Camilla S. (1997), Romance de Cordélia (1998), O Prenúncio das Águas (1999), A Trança de Inês (2001), O Sétimo Véu (2003), Os Linhos da Avó (2004), A Flor do Sal (2005), A Alma Trocada (2007), A Estrela de Gonçalo Enes (2007). Foi, igualmente, autora de diversos livros infantis. Está traduzida em Espanha, França e Alemanha e representada em várias colectâneas de contos, em Portugal e no estrangeiro.
Rosa Lobato de Faria foi também conhecida do grande público como actriz de televisão e cinema.
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