quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Almas Penadas em Agosto

Os estrangeiros que chegaram recentemente a Macau, andam intrigados por verem pelos passeios caixinhas com comida, fruta, e alguns chineses a queimar papeis a diversas horas do dia, mas o maior espectáculo é à noite, onde familias se reunem neste ritual.
O calendário lunar tem uma data conhecida como “a lua dos espectros famintos”.
Conta a lenda, que é o dia em que as portas do Inferno se abrem para dar fuga aos espíritos que, por qualquer motivo, não tiveram um enterro digno e aproveitam esta oportunidade para permanecerem entre a população cerca de três semanas para se divertirem com os mortais.
Pois em Agosto, costuma dizer-se que é o mês dos desgostos, e com as almas à solta, todo o cuidado é pouco.
Os chineses acreditam que as almas mal sepultadas transformam-se em espíritos maus, demónios, vampiros, que vagueiam por toda a parte e em grande número.
Segundo a superstição chinesa, esta maldição recai nos mortos que foram sepultados sem uma única cerimónia fúnebre presidida por bonzos ou então, enterrados num local com mau Fung-Sôi.
Diz-se que a alma destes defundos regressam à casa onde residem os seus familiares, geralmente no sétimo dia depois da sua morte. Então, ao cair da noite, tornam-se muito perigosos, porque na escuridão, o poder de Yin, a que estão associados, é reforçado e é aproveitado pelos diabos para tentar arrancar a alma dos vivos ou para espalhar doenças, provocar sustos, acidentes, etc.
Contam-se estranhas e tenebrosas histórias passadas numa povoação chinesa, perto de Macau, pois estes temíveis demónios espalham a desgraça um pouco por toda a parte. Há também diabos que vestem a pele de feras, tais como tigres, raposas, vampiros, que procuram sugar o sangue e caçar a alma dos humanos.
Com tantas almas penadas à solta, no mês de Agosto a comunidade chinesa não efectiva qualquer casamento e o curioso, é que até os criadores e negociantes de cães não levam os seus animais para acasalamento.
Então, todo o mês é passado a tentar fazer com que os demónios regressem ao inferno e, é por isso, que os chineses queimam variados objectos feitos com hastes de bambu e papel, à porta de suas casas, junto ao passeio, colocando ainda vários tipos de guloseimas sobre um tabuleiro rectangular, com frutas, vinho, rebuçados, arroz e galinha para “alimentar” e assim abrandar a fúria dessas espíritos esfaimados.Uma das maiores curiosidades na mesma ocasião, é a queima de "dinheiro do inferno", papel impresso como se de real dinheiro se tratasse, sob a égide de um denominado Banco do Inferno, sendo as notas assinadas por dois senhores das profundidades, váilidas em toda a parte – no Céu, na Terra, no Purgatório e no Inferno, assim queimadas à porta das casas e dos templos chineses em grandes quantidades, para que o fogo e o vento possam levá-las para o outro mundo.

Nas bermas dos passeios, colocam-se pivetes acesos que servem para proteger os transeuntes de eventuais atropelamentos. Junto a esses pivetes, coloca-se um pequeno prato com algumas patas de pato. Considera a tradição que, sendo o pato uma ave anfíbea, é a ele que o espírito escolhe para levar de regresso ao Inferno, já que pode ir pelo ar, sobre o mar, ou ainda por terra.
Os mareantes respeitam também este dia, lançando ao mar oferendas, a fim de que seja saciada a fome dos que morreram no mar, por acidente ou suicídio.

Estes costumes tiveram início com o aparecimento do budismo e do taoísmo na China, pois embora exista três religiões verdadeiramente nacionais, onde se inclui o confucionismo, os chineses consideram as três religiões numa só, sendo portanto frequente encontrarem-se em fraternal convívio, estatuetas de Confúcio, Lao-Tsé e Buda.
Neste mês de Agosto, os mortais prestam mais uma vez culto aos seus parentes falecidos e a todos aqueles que ao morrer não tiveram quem lhes encomendasse a alma.


Fonte: Adaptado de “Lendas e Rituais” de Leonel Alves

5 comentários:

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimada Amiga e Ilustre Escritora Da. Irene,

Longo são já os anos que em Macau me encontro, para mim, no início da minha estada em macau também fiquei admirado, mas depois de conhecer os costumes chineses fiquei inteirado e sempre respeitanto esses costumes.
Como diz o grande historial Leonel Alves, nos seus vastos esdcritos sobre os costumes e lendas chinesas, este é mais um desses costumes.
Porém, eles se realizam igualmente todas as noites do ano, junto às portas dos bares e discotetas da vizinha cidade de Hong-Kong, o significado é afastar as almas penadas das suas portas e tenham uma noite de negócio bem fértil!...
Um abraço amigo

Anónimo disse...

Deve ser giro ver as pessoas na rua a distribuir comida e a queimar papeis. Grande fartura para os cães vadios que andem por aí.
Gostei de saber esta história sobre Macau.
Beijinhos.
Sissi

Anónimo disse...

Querida, obrigada....
Saí da minha ignorância de estrangeira fresquinha por estas terras de costumes tão diferentes e tão curiosos!!!
Mais uma bela parte de Cultura que aprendo contigo, uma vez mais obrigada!!!

Ana

Anónimo disse...

Pois bem intrigado andava eu... obrigadissima pelo esclarecimento!

Anónimo disse...

Só que nem sempre é em Agosto. Este ano começou em Setembro, no dia 2.

http://www.macautourism.gov.mo/pt/events/calendar_desc.php#ghost

As datas são marcadas pelo calendário lunar.
As minhas desculpas, talvez seja perfeccionismo meu...