quinta-feira, 29 de abril de 2010

Como conheci o meu amigo....

Um dia, quando eu era caloiro na escola, vi um miúdo da minha turma a caminhar nos corredores, transportando uma enorme quantidade de livros na mochila e nas mãos e dei comigo a pensar:
-“Porque será que ele leva para casa todos os livros numa sexta-feira? Deve ser mesmo um marrão…”
Como já tinha o meu fim-de-semana planeado (festas e um jogo de futebol com meus amigos no sábado à tarde), então encolhi os ombros e segui o meu caminho.
Conforme ia caminhando, vi que vinha um grupo de miúdos a correr na direcção dele.
Eles rindo, atropelaram-no, arrancando-lhe todos os livros dos braços e empurraram-no, de tal forma que ele caiu no chão.
Os seus óculos voaram, e eu vi-os aterrar quase aos meus pés. Ele ergueu o rosto e uma terrível tristeza estava estampada nos seus olhos, as lágrimas começaram a correr-lhe em silêncio pelas faces.
O meu coração penalizou-se! Então apanhei os óculos e quando me dirigi a ele ajudando-o a levantar-se, resmunguei furioso: -“Aqueles tipos são uns parvos! Alguém devia dar-lhes uma lição de boas maneiras.”
Ele deitou-me um olhar agradecido.
-“Ah, muito obrigado!”
Agora havia um grande sorriso na sua face. Era um daqueles sorrisos que realmente mostram gratidão. Baixei-me para o ajudar a apanhar os livros, e perguntei-lhe onde morava.
Por coincidência ele morava perto da minha casa e chamava-se Carlos, então eu perguntei como é que nunca o tinha visto antes? Respondeu que nos anos anteriores, tinha frequentado uma escola particular e a conversa generalizou-se por todo o caminho de volta para casa. Num gesto de simpatia, carreguei-lhe os livros e percebi que devia ser um miúdo muito porreiro. Num impulso, perguntei-lhe se queria jogar futebol no sábado comigo e com os meus amigos e ele disse que sim.E foi assim que ficamos juntos todo o fim-de-semana e quanto mais eu conhecia o Carlos, mais gostava dele. E os meus amigos pensavam da mesma forma.

Na segunda-feira, encontrei-o de novo no corredor e lá ia ele com aquela quantidade imensa de livros outra vez. Interceptei-o e perguntei curioso:
“- Com os Diabos pá, vais fazer o quê com os livros de novo?”
Mas ele sorriu simplesmente, entregou-me metade dos livros e fomos a conversar até à sala de aula.

Nos quatro anos seguintes, Carlos e eu tornámo-nos os melhores amigos e, de facto ele nunca me desiludiu.
Quando nos estávamos a formar começámos a pensar em escolher as nossas carreiras: Carlos seria médico, e eu ia tentar uma bolsa escolar na equipa de futebol. Eu sabia que seríamos sempre amigos e que a distância nunca seria um problema.

Carlos era o orador oficial da nossa turma e por isso teve que preparar o discurso de formatura. Eu estava super contente por não ser eu a subir ao palanque e ter de discursar, não tinha jeito nenhum para esse tipo de coisas.
No dia do discurso da nossa Formatura eu vi que Carlos estava óptimo. Tornara-se um homem, mais encorpado e realmente tinha uma excelente aparência, mesmo usando óculos. Na realidade, ele saia com mais miúdas do que eu, e todas elas o adoravam!

Confesso que às vezes eu até ficava com alguma inveja... e hoje, era um desses dias. Ele porém, estava nervoso por causa do discurso. Então dei-lhe uma palmadinha nas costas e disse-lhe em tom alegre:
-“Então, rapaz? Ânimo! Vais sair-te bem! Estamos a torcer por ti”
Ele olhou para mim com aquele olhar de gratidão tão característico e sorriu-me:
-“Claro!”Carlos subiu decidido ao palco, limpou a garganta e começou o seu discurso:
- “A Formatura é uma época especial para agradecermos àqueles que nos ajudaram durante todos estes duros anos. Um especial agradecimento os pais, aos professores, aos irmãos, talvez até a um treinador. Mas principalmente aos amigos! Eu estou aqui para lhes dizer que ter um amigo, é o melhor tesouro que alguém pode ter na sua vida e, por essa razão, eu tenho uma história para contar sobre como conheci aquele que é hoje o meu melhor amigo."
Eu olhei espantado para o Carlos, sem conseguir acreditar que ele ia contar a história sobre o primeiro dia em que nos conhecemos.
Ele começou por contar algo que eu ignorava por completo: ele tinha planeado suicidar-se naquele fim-de-semana, porque se sentia marginalizado e não conseguia adaptar-se à escola e aos colegas! Contou a todos como tinha esvaziado o seu armário na escola, para que a mãe não tivesse que fazer isso depois de ele morrer. Estava a levar as suas coisas todas para casa quando os acontecimentos se precipitaram e eu entrei na sua vida. Ele olhou directamente no meus olhos e lançou-me um pequeno sorriso, continuando:
-“Felizmente eu encontrei alguém que de repente se interessou por mim, se tornou meu amigo e salvou-me de fazer algo abominável. Mas tudo passa e consegui ter um caminhar cada vez mais firme e consciente, percorrendo as inúmeras experiências com o meu amigo. A vida vai-nos fornecendo as bases que moldam e lapidam as arestas da nossa personalidade e tudo isso, graças ao companheirismo e à importância que podemos dar no momento certo, a quem precisa de nós".
Eu ouvia-o com um nó na garganta, assim como toda a plateia o fixava e ouvia atentamente com admiração, enquanto aquele rapaz popular e bonito contava a sua história sobre um momento de fraqueza. E depois senti os olhares da mãe e do pai sobre mim com aquele sorriso de gratidão que eu tão bem conhecia. Eu nunca me tinha apercebido de nada até àquele dia da inesperada revelação. Afinal, com um pequeno gesto podemos mudar a vida de uma pessoa, para melhor ou para pior. Eu estou feliz por ter cedido ao meu impulso de ajudar aquele rapaz...

NOTA: Este é um testemunho que já vem sendo divulgado há algum tempo através de emails, que eu adaptei e que nos deixa uma lição sobre a amizade, pois nunca é demais partilhar estas bonitas histórias com os cibernautas que me visitam.

Os amigos são anjos que nos põem de pé, quando as nossas asas têm problemas e não se lembram de como se deve voar.

1 comentário:

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimada Amiga e Ilustre Historiadora Irene,
Ao ir lendo esta maravilhosa história me ia comovendo, é certo que uma forte lição de psicologia para além da forte amizade que por vezes faz mudar o rumo de nossas vidas.
Adorei.
O meu muito obrigado por me ter proporcinado tão belo momento e ter aprendido esta bela lição.