quinta-feira, 24 de março de 2011

Violência doméstica, até quando?

“Cada homem transporta dentro de si o seu bestiário privado” - disse um Juiz.

A violência doméstica é um problema universal que atinge milhares de pessoas, em grande número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente.
Trata-se de um problema que acomete ambos os sexos e não costuma obedecer a nenhum nível social, económico, religioso ou cultural específico, como poderiam pensar alguns.
A violência doméstica pode assumir muitas formas, incluindo o abuso emocional, físico e sexual. Os homens são, por vezes abusados por parceiros, mas a violência doméstica é mais frequentemente dirigidas para as mulheres, embora possa acontecer também em relações heterossexuais ou homossexuais.
A sua importância é relevante sob dois aspectos; primeiro, devido ao sofrimento indescritível que imputa às suas vítimas, muitas vezes silenciosas e, em segundo, porque, comprovadamente, a violência doméstica, incluindo aí a Negligência Precoce e o Abuso Sexual, podem impedir um bom desenvolvimento físico e mental da vítima.

Como é Possível Morrerem Estas Mulheres?
Os gritos e o choro prolongaram-se pela noite dentro. Num sexto andar uma mulher é agredida repetidamente. A PSP apareceu de madrugada, pelas seis. Ouviu os relatos dos vizinhos, falou com o agressor, viu-a a ela, cheia de dores e depois voltou à esquadra. A lei não permite aos agentes fazer detenções fora de flagrante delito e o crime ocorria entre quatro paredes. A lei também não os deixa deter o agressor quando não há juiz para o ouvir.
Àquela mulher, brasileira, 34 anos, restava a hipótese de sair de casa, para um abrigo. Mas porquê ela, se é ela a vítima? Ficou. Tinha medo de perder tudo – era imigrante. Foi o dinheiro que a fez ir para Portugal.
Já de dia, às 9h, foi atirada pela janela e morreu no passeio em frente à casa. Não se pode dizer que foi a lei que a matou. Foi o namorado, ou talvez o azar de ter sido agredida no local errado, à hora errada e antes do Código de Processo Penal ser alterado.
Esta é uma história entre muitas outras, não só em Portugal como um pouco por todo o mundo, as mulheres e as crianças são espancadas ou violadas, vítimas de violência nas relações de intimidade, às mãos dos maridos, companheiros, namorados, ex-maridos, ex-companheiros e ex-namorados.

Felizmente que já não é necessário um autor deste tipo de crimes ser apanhado em flagrante delito para poder ser detido. Basta haver perigo de continuação do ilícito. É após a queixa, depois da polícia sair da cena, que a mulher corre mais perigo. Porque denuncia o criminoso e continua a viver com o denunciado.
A unidade contra a violência doméstica e maus-tratos a menores, criada há um ano no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, conseguiu a condenação de 10 agressores, em 15 julgamentos já realizados por violência doméstica desde há um ano.

O ciclo de violência

A violência doméstica funciona como um sistema circular – o chamado ciclo da violência doméstica – que apresenta, regra geral, três fases:
1. Fase de aumento da tensão:
as tensões quotidianas acumuladas pelo/a agressor/a que este/a não sabe/consegue resolver, criam um ambiente de perigo iminente para a vítima que é, muitas vezes, culpabilizada por tais tensões.
Sob qualquer pretexto o/a agressor/a direcciona todas as suas tensões sobre a vítima. E os pretextos, que podem ser muito simples, são usualmente situações do quotidiano, como exemplo, acusar a vítima de não ter cozinhado ou cozinhado com sal a mais, de ter chegado tarde a casa ou a um encontro, de ter amantes, etc.
2. Fase do ataque violento:
o/a agressor/a maltrata, física e psicologicamente a vítima (homem ou mulher), que procura defender-se, esperando que o/a agressor/a pare e não avance com mais violência.
Este ataque pode ser de grande intensidade, podendo a vítima por vezes ficar em estando bastante grave, necessitando de tratamento médico, ao qual o/a agressor/a nem sempre lhe dá acesso imediato.
3. Fase do apaziguamento ou da lua-de-mel:
o/a agressor/a, depois da tensão ter sido direccionada sobre a vítima, sob a forma de violência, manifesta-lhe arrependimento e promete que não vai voltar a ser violento/a.
Pode invocar motivos para que a vítima desculpabilize o comportamento violento, como por exemplo, ter corrido mal o dia, ter-se embriagado ou consumido drogas; pode ainda invocar o comportamento da vítima como motivo para o seu descontrolo. Para reforçar o seu pedido de desculpas pode tratá-la(o) com delicadeza e tentar seduzi-la(o), fazendo-a(o) acreditar que, de facto, foi essa a última vez que ele/a se descontrolou.
Este ciclo é vivido pela vítima numa constante de medo, esperança e amor. Medo, em virtude da violência de que é alvo; esperança, porque acredita no arrependimento e nos pedidos de desculpa que têm lugar depois da violência; amor, porque apesar da violência, podem existir momentos positivos no relacionamento.
O ciclo da violência doméstica caracteriza-se pela sua continuidade no tempo, isto é, pela sua repetição sucessiva ao longo de meses ou anos, podendo ser cada vez menores as fases da tensão e de apaziguamento e cada vez maior e mais intensa a fase do ataque violento. Em situações limite, o culminar destes episódios poderá ser o homicídio.
As causas da violência

Importa perguntar porquê. Por que razão a violência contra as mulheres foi ignorada durante séculos?! Nos anos 60 um tribunal português classificava o comportamento criminoso de um marido como " moderado poder de correcção doméstica" Um outro tribunal português "culpabilizava" duas jovens vitimas de violação sublinhando que elas nunca deveriam ter seguido a pé, numa estrada situada numa região considerada "coutada do macho latino".
Importa que a situação seja conhecida: os estudos são importantes. Estudos quantitativos e qualitativos, avaliação sistemática das acções que se vão desenvolvendo, das leis que são publicadas e do modo como são aplicadas.
Várias avaliações efectuadas nos podem levar a concluir que há que passar da teoria (de que o aparelhos legislativo faz parte) à prática.
Uma campanha "tolerância zero" deverá estender-se aos poderes executivo e judicial, afirma alguém. Importa também saber como concretizar um acervo jurídico vasto, e tantas vezes disperso.
Pode ser difícil de reconhecer ou admitir que você está num relacionamento abusivo, mas a ajuda está disponível. Lembre-se, ninguém merece ser abusado!

1 comentário:

Anónimo disse...

A violência doméstica não está só nas tareias e nos murros. Tenho uma amiga que sofre imenso, porque a violência verbal, a falta de comparticipação nas despesas e o desprezo que é votado à companheira de tantos anos, doi tanto como os maus tratos fisicos. E isto não acontece apenas às classes média ou baixa. Ele é piloto aviador e sempre teve um controle total na vontade da mulher. Bastou ela revoltar-se ao fim de trinta e tal anos de submissão absoluta, para ele andar a fazer-lhe a vida negra...
Por detrás de cada porta, à vidas terriveis!