terça-feira, 4 de outubro de 2011

A arte da calçada à portuguesa

A calçada portuguesa resulta do calcetamento com pedras de formato irregular, geralmente de calcário e basalto, que podem ser usadas para formar padrões decorativos pelo contraste entre as pedras de distintas cores.
As cores mais tradicionais são o preto e o branco, embora sejam populares também o castanho e o vermelho.
A calçada portuguesa, conforme a conhecemos, foi empregada pela primeira vez em Lisboa no ano de 1842. O trabalho foi realizado por presidiários (chamados "grilhetas" na época), a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o Tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado. O desenho utilizado nesse pavimento foi de um traçado simples (tipo zig-zag) mas, para a época, a obra foi de certa forma insólita, tendo motivado cronistas portugueses a escrever sobre o assunto.
Após este primeiro acontecimento, foram concedidas verbas a Eusébio Furtado para que os seus homens pavimentassem toda a área da Praça do Rossio, uma das zonas mais conhecidas e mais centrais de Lisboa, numa extensão de 8.712 m².
A maioria das calçadas de Lisboa, na pavimentação de espaços públicos e não só, são “basicamente” passeios calcetados com pedras de formato irregular de cor preta e branca, formando diversos desenhos que integram temas diversos.
Terá surgido pela primeira vez em Lisboa no séc. XV e rapidamente expandido pelas vilas e aldeias do país. É amplamente utilizada em Portugal e também no Brasil, mas é em Portugal onde é considerada parte da tradição e expressão cultural, encarada como uma herança histórica do país.
Vemos por exemplo esta calçada numa das ruas de Matosinhos...
A calçada portuguesa não só se espalhou rapidamente por todo o país e colónias, subjacente a um ideal de moda e de bom gosto, tendo-se apurado o sentido artístico, que foi aliado a um conceito de funcionalidade, originando autênticas obras-primas nas zonas pedonais.

Vemos aqui esta praça em Moçambique, onde esta arte chegou para ficar. Hoje em dia existem ruas e praças onde a calçada à portuguesa foi difundida e aprendida pelos calceteiros locais, dando asas à imaginação om desenhos caracteristicos da cultura africana.

S. Salvador da Bahia - Brasil
No Brasil, este foi um dos mais populares materiais utilizados pelo paisagismo do século XX, devido à sua flexibilidade de montagem e de composição plástica.

A sua aplicação pode ser apreciada em projectos como esta da foto, o calçadão da Praia de Copacabana, (uma obra de Roberto Burle Marx) ou nos espaços da antiga Avenida Central, ambos no Rio de Janeiro.
Daqui, bastou somente mais um passo, para que esta arte ultrapassasse fronteiras, sendo solicitados mestres calceteiros portugueses para executar e ensinar estes trabalhos no estrangeiro.

Estes desenhos em rosa, numa das artérias principais de Nova Iorque...

Em Pequim, alguns profissinais chineses que aprenderam a arte de calceteiros, fazem belos trabalhos inspirados nas viagens dos portugueses nas suas naus.

Na Expo de Shanghai em 2010, o coelhinho de Macau, teve um "tapete de ondas" iguais às que existem no Largo do Leal Senado em Macau, que também está revestido com a calçada à portuguesa.

Assim, em Macau, muitos passeios e praças são também pavimentados com calçada portuguesa. Em 1990, o governo de Macau revestiu com esta calçada, de cor branca e preta, o Largo do Senado,
bem como pavimentou alguns passeios e largos, que dão hoje em dia, um aspecto alegre, colorido e interessante aos que por ali passam e fotografam esta mistura de culturas.

A técnica da calçada à portuguesa

Em 1986, foi criada uma escola para calceteiros (a Escola de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa), situada na Quinta Conde dos Arcos.
Da autoria de Sérgio Stichini, em Dezembro de 2006, foi inaugurado também um monumento ao calceteiro, sito na Rua da Vitória (baixa Pombalina), entre as Rua da Prata e Rua dos Douradores.
Os calceteiros tiram partido do sistema de diaclases do calcário para, com o auxílio de um martelo, fazerem pequenos ajustes na forma da pedra, e utilizam moldes para marcar as zonas de diferentes cores, de forma a que repetem os motivos em sequência linear (frisos) ou nas duas dimensões do plano (padrões).
A geometria do século XX demonstrou que há um número limitado de simetrias possíveis no plano: 7 para os frisos e 17 para os padrões. Um trabalho de jovens estudantes portugueses registou, nas calçadas de Lisboa, 5 frisos e 11 padrões, atestando a sua riqueza em simetrias.

Imagine que os emigrantes conseguiram levar esta arte para algumas ruas de S. Francisco da Califórnia...

Que caminhos são estes que nos direccionam por labirintos mitológicos e que universo é este que, silenciosamente, também caminha por passeios de pedra consistente, elaborados nos confins da nossa consciência?
Que coisa é esta de levar tudo atrás de nós? Levamos connosco o cão, o gato, os pastéis de nata, as formas floreadas das janelas para o sol entrar, a calçada para receber os amigos, as cores alegres nas fachadas de azulejos que reflectem a luz numa sensação primaveril… a poesia que o fado declama pelas ruelas de uma saudade exasperada em qualquer ponto do mundo...

(Bocage nas terras de Gêngis Khan)

NOTA:Algumas das imagens apresentadas foram retiradas do livro Calçada Portuguesa no Mundo - per orbem terrarum et marem vastum
e outras fotos de Ernesto de Matos

3 comentários:

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimada Amiga Irene,
Os portugueses espalham por tudo o mundo a bela arte de calcetar.
Macau é um bom exemplo.
Abraço amigo

Anónimo disse...

Belíssimas!
:)

Laura Garcez disse...

Belo e esclarecedor artigo.