quarta-feira, 13 de maio de 2009

Construir castelos


Sol a pino! Maresia... ondas ritmadas lá no fundo. Na praia está um menino que, ajoelhado, cava a areia com uma pá de plástico e deita-a dentro de um balde vermelho.
Em seguida, vira o balde sobre a superfície, levanta-o e vê encantado, surgir diante de si um pequeno castelo de areia. E assim, durante algumas horas ele vai trabalhando incansável, cavando fossos, modelando paredes, montando mais montinhos, uns por cima dos outros, os pormenores apelando à imaginação: as rolhas de garrafa são as sentinelas; os palitos dos sorvetes as pontes. E do nada, feito de milhões de ínfimos grãos, surge um imponente castelo de areia que vai tomando forma, e um pequeno império surge das mãos do diligente e determinado menino, que monta as casinhas junto ao castelo. Vão surgindo ruas largas e movimentadas, pequenas pedras, são os carros... grande cidade esta...
Mas está na hora da maré subir e as ondas aproximam-se de mansinho e levam primeiro os carros, outras, começam a desfazer as ruas, mas o menino, com a sua sabedoria de criança maravilhada, bate palmas, não há tristeza, não há desolação, ele sabia que a maré subiria e que isto ia acontecer.
Quando uma onda mais atrevida acaba por bater no seu castelo e a obra-prima é arrastada pelo mar, ele sorri, recolhe a pá e o balde, segura a mão do pai e vai para casa, feliz por uma tarde preenchida e produtiva.
O adulto, não é tão sábio assim, quando a onda dos anos desmorona o seu castelo, ele atemoriza-se, cerca o seu monumento de areia, para o proteger, tenta impedir que as ondas alcancem as paredes e resmunga para a próxima onda: -"É meu, este castelo” - mas o mar não precisa responder, porque ele sabe a quem a areia pertence... o homem não sabe muito sobre castelos de areia. Mas as crianças sabem, só que depois crescem e esquecem...
Compreendi que, nas nossas vidas, todas as coisas que gastam tanto do nosso tempo e da nossa energia para construir, tudo isso é passageiro, tudo é feito de areia; o que realmente permanece, é apenas, e só, o relacionamento que temos com os outros. Mais cedo ou mais tarde, uma onda virá e destruirá ou apagará o que levámos tanto tempo a construir. A vida tem uma dinâmica própria, e obedece a leis transcendentes, que nem sempre conseguimos compreender totalmente... Resta-nos conhecer, confiar, observar e aprender.
Por isso, pode ir em frente e construa, mas construa com o coração de uma criança. Quando chegar a hora do pôr-do-sol e a maré levar tudo, aplauda!
Aplauda o processo da vida, segure a mão do Pai e vá para casa.

4 comentários:

ANTONIO CAMBETA disse...

Estimada Amiga e Ilustre Romancista Irene,
Mais um maravilhoso conto, este porém com uma temática imensamente profunda que nos dá uma lição da vida, da nossa maneira como devemos proceder, tal míudo, na praia, construindo seu castelo de areia.
É bem verdade que ninguém gosta de perder seus bens, mas se pensarmos que quando nascemos viemos nús então comprederemos melhor esta sua maravilhosa história.
Adorei.

O Espírito do Tai Chi disse...

Amiga Irene,

Este "post" está de "se lhe tirar o chapéu". Imagens simples que redundam numa lição de vida.
Os meus parabéns e... continua porque tens ainda muito para nos dar.

Do amigo,

António Serra

Irene Fernandes Abreu disse...

Obrigada meus amigos. pelos vistos vocês são os meus maiores fãs e os que me "compreendem" melhor. Os vossos trabalhos também são fantásticos. Abraço e bom fim de semana.

Anónimo disse...

Meu Deus! Que coisa linda. É dificil expressar assim sentimentos tão belos. Gostei muito. Há mais?
Beijos.
Maria Antunes