quarta-feira, 25 de maio de 2011

África - Carta de um Contratado


O continente africano acolhe uma grande variedade de culturas, caracterizadas cada uma delas por um idioma próprio, tradições e formas artísticas características.
África é o segundo maior continente da Terra e conta com uma população de mais de 820milhões de habitantes. Possui uma incrível diversidade cultural e ambiental, com patrimónios históricos e naturais.
Hoje, é o DIA DE ÁFRICA, não queria deixar de prestar homenagem a um poeta que muito admiro: António Jacinto, que nasceu em Angola e que é um reconhecido poeta que se tornou conhecido através da sua escrita de protesto.

Devido à sua militância política anti-colonialista e de base marxista, foi exilado no Campo de Concentração de Tarrafal, em Cabo Verde, no período de 1960 a 1972. Voltou para Angola em 1973, e juntou-se ao MPLA [Movimento Popular de Libertação da Angola].
Escolhi este seu poema,porque é um dos mais expressivos da sua obra, como quiçá, de toda a literatura angolana.

CARTA DE UM CONTRATADO

Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma cara
amor
uma carta de confidências íntimas
uma carta de lembranças de ti
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses do papá Bombo
que a sonegasses à mãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que te levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levasse puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...

Eu queria escrever-te uma carta...
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!

António, foi empregado de escritório e técnico de contabilidade, Ministro da Educação de Angola e Secretário de Estado da Cultura.
Colaborou com produções suas em diversas publicações nomeadamente Jornal de Angola, Notícias do Bloqueio, Itinerário, Império e Brado Africano e foi membro da revista Mensagem.

BAILARINAS

A noite
(uma trompete, uma trompete)
fica no jazz.

A noite
sempre a noite
sempre a indissolúvel noite
sempre a trompete
sempre a trépida trompete
sempre o jazz
sempre o xinguilante jazz.

Um perfume de vida
esvoaça
adjaz
serpente cabriolante
na ave-gesto da tua negra mão.

Amor,
vénus de quantas áfricas há,
vibrante e tonto,
o ritmo no longe
preênsil endoudece.

Amor
ritmo negro
no teu corpo negro
e os teus olhos
negros também
nos meus
são tantãs de fogo
amor.

António Jacinto é considerado, por muitos, um dos maiores escritores angolanos.
Com a independência do país, frente à colonização portuguesa em 1975, foi nomeado Ministro da Educação e Cultura, cargo que ocupou até ao ano de 1978.

Arrebatou vários prémios, como o Prémio Noma, Prémio Lotus da Associação dos Escritores Afro-Asiáticos e Prémio Nacional de Literatura.
Publicou Poemas(1961), Vovô Bartolomeu (1979), Poemas (1982, edição aumentada), Em Kilunje do Golungo (1984), Sobreviver em Trrafal de Santiago (1985; 2ªed.1999), Prometeu (1987), Fábulas de Sanji (1988).

Morreu a 23 de Junho de 1991, com 67 anos.

Sem comentários: