sexta-feira, 27 de maio de 2011

Dignidade contra Preconceito

Ao contrário do que muita gente pensa, não é nada fácil lidar com vizinhos. O problema é ainda pior, quando a pessoa que mora ao lado é mal humorada e desocupada. Não basta ser educado e ter paciência quando os conflitos surgem.
Vamos à história desta jovem: ela tinha exactamente tudo que queria ter para ser feliz e realizada. Tinha um bom emprego como directora de marketing de uma conhecida empresa, tinha uma família linda, os pais e irmãos tratavam-na como a uma rainha por ser a única menina depois de terem vindo quatro rapazes.
Apesar de muito jovem, já tinha conquistado, com muita luta, a sua indepência: uma casa num bairro sossegado, carro, dois gatos e um cão.
Apesar de ser gordinha, vestia-se bem, era inteligente, engraçada, e excepcionalmente bem humorada. Era estimada pelos colegas e amigos.
Mas afinal nem tudo era um paraíso na vida desta jovem, porque há sempre gente que tem um especial gosto em se meter na vida alheia e arranjar complicações…
Todos os dias, quando ela saía de casa para tirar o carro da garagem, que ficava a meio de duas casas, ali estava o seu vizinho, pronto para garantir a arrelia do dia.
Ele era um homem casado, de meia idade, medíocre, chato, de humor negro ao qual a única pessoa que tinha capacidade de aturá-lo, era a própria esposa, mas que pelas regras sociais, todos, e em nome da boa vizinhança e dando algum desconto pela sua má educação, a maioria dos vizinhos faziam vista grossa às suas piadas inconvenientes e ainda oferecer-lhe um sorriso largo. A esposa, escondida por detrás da janela, assistia às cenas diárias. Ele era de facto uma criatura irritante e adorava imitá-la: a cada passo que dava no chão, era logo seguido de um som emitido pelo vizinho, que ainda tinha o desaforo de comentar:
-“Bum, bum, bum, ó menina, as suas passadas estremecessem o chão. Nem sei como esse pobre carro aguenta isto todos os dias... a vizinha, devia de vir comigo até ao ginásio, você precisa MESMO de dar um jeito nesse corpo!!”
Mas ela nem olhava para ele, nem nunca respondia. Com um meio sorriso amarelo, entrava no carro, com uma enorme vontade de chorar ou até mesmo de gritar, mas continha-se e, calada partia para o trabalho. No dia seguinte, o vizinho lá estava no seu posto, com frases novas para a atormentar.
- “Vizinha espero que você não tenha tomado café hoje, bem precisa de diminuir uns quilinhos. Olhe que andar de bicicleta ajuda, deixe o desgraçado do carro descansar…”
Mais um sorriso amarelo, mais uma frustração, afinal ela estava irrepreensivel, bem maquilhada e bem vestida, os seus colegas e amigos bem lhe diziam que tudo aquilo era a inveja do vizinho a falar, por ela ser jovem, bonita e ter uma vida própria, mas não há bela sem senão e o seu “crime” era em ter uns quilos a mais…
Não queria ligar àqueles estúpidos comentários, para o evitar, até já tinha mudado a hora de saída, mas o vizinho não desistia e até parecia que estava ali de prepósito para lhe estragar o dia logo de manhã.
Optou logo de início por nunca lhe responder, pensou que o desprezo seria o melhor para o desmotivar, até porque não queria dar qualquer motivo de conversa a uma pessoa tão antipática e metediço.
Mas começava a perder a paciência e… naquela manhã, o vizinho estava acompanhado com a esposa, que devia estar ali para se divertir às custas dela.
-“Calma vizinha para onde é que vai com tanta pressa? Se correr demais ainda pode partir o chão, por onde passar, ah, ah, ah.”
A mulher soltou um risinho nervoso e fingiu ralhar com o marido:
- Ai Carlos, deixa de dar piadas à nossa vizinha, ela deve estar atrasada para o trabalho... não é vizinha? Tenho estranhado vê-la assim tão sozinha, não me diga que não tem namorado? Nunca a vejo com ninguém...”
Ah não! Aquilo foi mesmo a gota de água que faltava para o copo transbordar. Nesse dia ela estava sem a mínima paciência para as piadinhas destrutivas, mal educadas e estava farta de ser pisada, maltratada só porque era mais gorda que aqueles dois espantalhos. Foi direita a eles, que recuaram um pouco, surpresos pela súbita energia da gorda vizinha:
- Ah olá aos dois! Pois é, todos os dias eu saio da minha casa com o bom humor que Deus me deu, mas o meu caro vizinho faz-me sempre o grande favor de tentar estragar o meu dia, com a sua falta do que fazer e pensar que despejando as suas frases inúteis e irrelevantes para mim, vai atenuar os problemas da sua vida.
Afinal diga-me qual é o seu problema em eu ser gorda ou o que esse facto incomoda a sua vidinha de insatisfação? Eu reparo que o senhor nunca me deu um “bom dia”, nunca me disse uma frase positiva, até porque eu nunca me meti na sua vida, mas já que o senhor acha que tem o direito de se meter na minha, eu também tenho esse mesmo direito, por isso, seu velho careca, preguiçoso, mal vestido, desnutrido e desocupado, pare de me dar conselhos e de tomar conta da minha vida, que eu tenho demonstrado muito bem que sei tomar conta de mim, olhe antes para o espelho e para a sua vida, que deve ser bem infeliz, para andar a bisbilhotar o que os outros fazem ou têm.
Quanto a si, “querida vizinha”, saiba que nunca me viu com ninguém, porque existe precisamente um casal de vizinhos bisbilhoteiros e abelhudos, os quais não tenho de mostrar a minha vida privada, fique a saber que a vida dos outros pertence a cada um, parece não ser o vosso caso, porque passam a vida à procura de alguma coisa da vida alheia para passarem o vosso tempo.
Agora é a minha vez de lhes dar este conselho: tratem da vossa vida e isso inclui sexo e demonstração de afecto, que parece faltar entre vocês dois, pois eu acredito que se essa área da vossa vida estivesse em forma, vocês não teriam tempo para ficar a prestar atenção na vida da vossa gorda vizinha, ao ponto de quererem dar conselhos ou saber onde anda meu namorado?! Bom era só isto que eu queria conversar com vocês, tenham um óptimo dia!
Ela virou-lhes as costas com um sorriso largo e os olhos brilhantes, deixando os seus vizinhos especados, sem reacção pelo inesperado discurso, dito de uma assentada, separando bem as palavras.
Entrou no carro com o coração a bater descompasado e foi trabalhar feliz por ter despejado tudo o que tinha acumulado durante aquelas últimas semanas de frustação.
A partir desse dia, as suas manhãs passaram a ser serenas, porque os vizinhos nunca mais apareceram de manhã, junto à garagem…

1 comentário:

Zé Carlos disse...

Irene querida, muitas saudades de ti.

E quem de nós não tem estes momentos difíceis não é? Quando estiver assim escreva e vamos bater um papo (conversar rsrsrsr)(joseccm@terra.com.br)

Um beijo e linda sexta-feira, ZC