Diz-me quanto consomes e eu te direi quanto vales…
A explosão do consumo no mundo actual faz mais ruído do que todas as guerras e provoca mais alvoroço do que todos os carnavais porque a “cultura” de consumo soa muito alto. A expansão da procura choca com as fronteiras que lhe impõe o mesmo sistema que a gera. O sistema necessita de mercados cada vez mais abertos e mais amplos. É quase invisível a violência do mercado: a produção em série, em escala gigantesca, impõe no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar. "Diz-me quanto consomes e eu te direi quanto vales", parece ser este o lema do consumidor. A actual civilização não deixa dormir as flores, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores são submetidas a uma luz contínua, para que cresçam mais depressa. Nas fábricas de ovos, as galinhas também estão proibidas de ter noite. E as pessoas estão condenadas à insónia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica.
Os EUA consomem a metade dos sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas que se vendem legalmente no mundo, e mais da metade das drogas proibidas que se vendem ilegalmente, para esquecer aquilo que não se conseguiu, ou seja, os objectivos de comprar, encherem-se, atulhando-se de coisas, ou sonhando fazê-lo, porque as coisas também podem ser símbolos de ascensão social... O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free tem a maior quantidade de gordos do mundo, uma fábrica de lixo disfarçada de comida: esta indústria está a conquistar os paladares de todo o planeta e a deixar em farrapos as tradições da cozinha local. A maior parte das mães de família, nem sequer sabem cozinhar, preferindo comprar nos supermercados os enlatados e as embalagens de comida já prontas para meter no micro-ondas. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão a ser espezinhadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer e a ditadura do fast food.
A plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald's, Burger King e outras fábricas, viola com êxito o direito à autodeterminação da cozinha, cujo direito deveria ser sagrado, porque a alma tem uma das suas portas através da boca!
Tudo isto porque as massas consumidoras recebem ordens num idioma universal: a PUBLICIDADE!
Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que o televisor transmite e graças a ela, as crianças pobres tomam cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite, e o tempo de lazer vai-se tornando tempo de consumo obrigatório. Porque a publicidade diz-nos que o cartão da MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola brinda a eterna juventude e o menu do MacDonald's não pode faltar na barriga de um bom atleta.
A cultura do consumo, é a cultura do efémero, condena tudo ao desuso mediático. Tudo muda ao ritmo vertiginoso da moda, posta ao serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje a única coisa que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar.
O pior de tudo isto é que a publicidade não informa acerca do produto que vende, ou raras vezes o faz, até porque isso é o que menos importa. A sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias, certo?
As pessoas buscam um tempo livre, mas que afinal se transforma em tempo prisioneiro, aproveitando o seu tempo para trabalhar mais, para poder comprar mais. As casas muito pobres podem não ter uma cama, mas têm um televisor! E o televisor tem a palavra. Comprados a prazo, essas caixinhas que vendem fantasias, são a prova, ou a vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos, porque a cultura do consumo fez da solidão, o mais lucrativo dos mercados. Pobres e ricos conhecem, assim, as virtudes dos automóveis do último modelo, os abastados inteiram-se das vantajosas taxas de juros que este ou aquele banco oferece, e assim as coisas têm atributos humanos: acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, se comprares o perfume tal, o teu príncipe ou princesa caem-te nos braços, o automóvel é o amigo que nunca falha, a casa dos teus sonhos está ao teu alcance, etc, os peritos sabem transformar as mercadorias em conjuntos mágicos contra a solidão…
O mundo inteiro tende a converter-se num grande écran de televisão, onde as coisas, para a maioria das pessoas, se olham mas não se tocam.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
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2 comentários:
É por essa, e outras razões adjacentes, que os portugueses ainda não interiorizaram a situação real do país e de cada um, continuando a marcar férias no estrangeiro, não só pq é bom, mas pq é moda.
Oi Irene. Permita que me apresente. Vim linkando, linkando, encontrei seu blog, gostei do que li e estou seguindo.
Parabéns, você escreve muito bem!
:)
Estarei sempre por aqui!
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